“Bendito seja o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, o qual nos abençoou com todas as bênçãos espirituais nos lugares celestiais em Cristo; como também nos elegeu nele antes da fundação do mundo, para que fôssemos santos e irrepreensíveis diante dele em amor.” — Efésios 1:3-4
E se a eleição não for sobre você?
Vivemos numa era obcecada por individualidade. Minha história. Minha jornada. Meu relacionamento com Deus. E quando chegamos a Efésios 1, instintivamente fazemos a pergunta errada: “Por que Deus me escolheu?”
Mas Paulo não está escrevendo uma carta de aceitação universitária personalizada. Ele está pintando um mural cósmico onde nós somos as pinceladas, não o artista nem o observador principal.
Observe a linguagem: “nos elegeu” — plural. “nele” — em Cristo. “antes da fundação do mundo” — antes de existirmos.
A eleição de Efésios não é uma lista VIP do céu. É um convite para abandonar o narcisismo espiritual e reconhecer que fomos absorvidos numa história muito maior, mais antiga e mais bela do que nossa própria autobiografia.
A bênção que não se pode consumir
“Nos abençoou com todas as bênçãos espirituais nos lugares celestiais”
Aqui está o incômodo: estas bênçãos não são transferíveis para sua conta bancária, não curam necessariamente sua ansiedade clínica, não garantem que seus filhos sejam bem-sucedidos.
“Lugares celestiais” não é código para “prosperidade terrestre adiada”. Paulo está dizendo algo mais radical: você já tem tudo. Agora. Neste momento. Em dimensões que o materialismo não consegue tocar.
Que blasfêmia contra o evangelho da autorrealização! Que afronta ao cristianismo terapêutico que transformou Jesus num consultor de vida!
As bênçãos de Efésios são intransferíveis, inconvertíveis e — aqui está o problema — frequentemente imperceptíveis para quem só consegue enxergar o que pode ser fotografado para o Instagram.
Santos e irrepreensíveis: o projeto impossível
“Para que fôssemos santos e irrepreensíveis diante dele em amor”
A santidade virou hashtag. A irrepreensibilidade virou gerenciamento de imagem. E esquecemos que Paulo está descrevendo não um projeto de autoaperfeiçoamento, mas uma metamorfose ontológica.
Você não se torna santo tentando ser santo. Você descobre que já foi declarado santo e passa o resto da vida perplexo com essa afirmação absurda.
É como acordar e descobrir que você é filho de um rei que você nunca conheceu. Nada do que você fez qualificou você. Nada do que você fará desqualificará você. E agora? Agora você tem que aprender a andar como realeza enquanto ainda sente barro entre os dedos.
A santidade cristã não é ascensão moral. É a lenta e humilhante jornada de permitir que sua identidade real corroa sua identidade performática.
A provocação contemporânea
Então, o que fazemos com Efésios 1:3-4 em 2025?
Primeiro, paramos de evangelizar como se estivéssemos vendendo seguro de vida espiritual. A eleição não é sobre garantir seu futuro; é sobre descobrir que seu passado foi reescrito antes de você nascer.
Segundo, abandonamos a espiritualidade de consumidor. Se você tem “todas as bênçãos espirituais”, pare de orar como um pedinte e comece a orar como um herdeiro explorando o inventário de um armazém infinito que você desconhecia possuir.
Terceiro, reconhecemos que a verdadeira subversão cristã não é ser “santo” no sentido de separado do mundo, mas ser tão mergulhado no amor divino que você se torna perigosamente indiferente às moedas de troca do mundo — aprovação, status, segurança, controle.
A pergunta incômoda
E se Deus escolheu você não porque viu algo especial em você, mas porque viu algo especial em Cristo, e decidiu, com arbitrariedade divina escandalosa, enxertá-lo nele?
E se toda sua busca por “propósito” e “significado” for apenas resistência disfarçada contra a verdade de que você já tem um propósito que você nunca escolheu, nunca negociou e nunca poderá abandonar?
E se a bênção não for aquilo que você consegue extrair de Deus, mas aquilo que Deus consegue extrair de você quando você finalmente para de tentar ser o autor da sua própria história?
Efésios 1:3-4 não é um versículo para ser entendido. É um abismo para ser contemplado. E se você olhar tempo suficiente, perceberá que não é você quem está olhando — é você sendo visto, conhecido e amado desde antes do começo.
Soli Deo Gloria.