O Reino Contaminante

“O reino dos céus é como o fermento que uma mulher tomou e escondeu em três medidas de farinha, até que toda a massa ficasse fermentada.” — Mateus 13:33


Jesus tinha um talento perturbador para escolher as piores metáforas possíveis.

Pelo menos, as piores do ponto de vista de uma audiência religiosa que valorizava pureza, separação e santidade ritual. E nesta parábola de apenas uma frase, ele consegue ofender praticamente todos os conceitos de religião “apropriada” do seu tempo.

Vamos desempacotar o escândalo.

Fermento: O Símbolo da Corrupção

Aqui está o que precisa ser dito logo de cara: na cosmovisão judaica do primeiro século, fermento não era neutro. Não era apenas um ingrediente de panificação. Era um símbolo poderoso — e quase sempre negativo — de corrupção, impureza e pecado.

Pense na Páscoa. O que os judeus faziam antes da festa? Vasculhavam cada canto da casa para eliminar todo vestígio de fermento. Por quê? Porque fermento representava o Egito, a escravidão, a contaminação. Era aquilo que precisava ser removido para que houvesse pureza.

Paulo mesmo usaria esta imagem: “Livrem-se do fermento velho… o fermento da maldade” (1 Coríntios 5:7-8). Os fariseus eram chamados de “fermento” por Jesus — e não era um elogio. Fermento era aquilo que corrompe, que se espalha invisivelmente, que transforma o puro em impuro.

E então Jesus vira tudo de cabeça para baixo: “O Reino de Deus é como… fermento.”

Você consegue ouvir o silêncio chocado?

O Deus que Contamina

Jesus não está apenas usando uma ilustração cotidiana. Ele está deliberadamente provocando. Está dizendo que o Reino de Deus funciona exatamente como aquela coisa que vocês passam o ano inteiro tentando eliminar de suas casas e de suas vidas.

O Reino é contaminante.

Não no sentido de que traz maldade, mas no sentido de que se recusa a respeitar nossas categorias de puro e impuro. Ele invade. Penetra. Transforma de dentro para fora. E uma vez que começa, não há como pará-lo.

Pense na natureza do fermento: você não pode isolá-lo. Você não pode conter sua ação em apenas uma parte da massa. Um pedacinho minúsculo é suficiente para transformar quilos de farinha. Ele age invisível, silencioso, imparável, até que toda a estrutura molecular da massa seja alterada.

É assim que o Reino opera.

A Mulher que Esconde

E tem mais: “uma mulher tomou e escondeu…”

Por que uma mulher? Por que esse detalhe aparentemente irrelevante?

Porque Jesus está colocando uma mulher — frequentemente marginalizada no discurso religioso público — como a agente ativa do Reino. Não é o sacerdote no templo. Não é o escriba estudioso. É uma mulher comum, no espaço doméstico, fazendo uma tarefa mundana.

E ela “esconde” o fermento. A palavra grega sugere algo quase subversivo, clandestino. O Reino não chega com trombetas e anúncios oficiais. Ele é escondido, plantado secretamente nas estruturas existentes. Você nem percebe quando ele começa a trabalhar.

Até que é tarde demais. A transformação já aconteceu.

Três Medidas: O Banquete Impossível

Outro detalhe fácil de perder: “três medidas de farinha.”

Isso não é uma receita para o jantar de hoje. Três medidas são aproximadamente 22 litros de farinha. Suficiente para fazer pão para mais de 100 pessoas. É uma quantidade absurda, exagerada, quase cômica.

Jesus está dizendo: o Reino não se contenta com transformações modestas e contidas. Ele visa nada menos que um banquete impossível. Uma festa que alimenta multidões. Uma transformação em escala que desafia toda lógica de economia e moderação.

O Reino não conhece o conceito de “quantidade suficiente”.

O Paradoxo da Pureza

Aqui está onde a parábola se torna devastadora para nossa religiosidade bem-comportada:

Passamos tanto tempo tentando manter nossa fé “pura” — separada do mundo, protegida da contaminação cultural, isolada de influências “perigosas”. Construímos muros teológicos. Criamos listas de separação. Desenvolvemos sistemas elaborados de dentro versus fora, santo versus profano, nós versus eles.

E Jesus diz: o Reino funciona como fermento.

Ele contamina. Ele se mistura. Ele penetra aquilo que você considerava impuro e transforma de dentro. Ele não mantém distância segura — ele se esconde no meio da massa e começa seu trabalho subversivo de transformação.

O Reino não santifica através da separação. Ele santifica através da penetração.

A Invasão Silenciosa

Talvez seja por isso que raramente pregamos sobre esta parábola.

Ela é curta demais? Simples demais? Ou será que ela é ameaçadora demais?

Porque se levarmos Jesus a sério aqui, isso significa que o Reino está operando agora mesmo em lugares que declaramos “seculares”. Está fermentando em culturas que chamamos de “perdidas”. Está trabalhando invisivelmente em pessoas que excluímos de nossas comunidades “puras”.

O fermento não pede nossa aprovação. Ele simplesmente age.

E age nos lugares mais improváveis: na arte secular que nos comove, nos atos de bondade de pessoas que nunca pisaram numa igreja, nos movimentos por justiça liderados por “descrentes”, nas transformações pessoais que acontecem fora de nossos programas religiosos oficiais.

O Reino é um agente infiltrado. Ele não espera nossa permissão para transformar o mundo.

A Ameaça ao Controle

Esta parábola é perigosa porque destrói nossa ilusão de controle.

Queremos um Reino que possamos gerenciar. Programas que possamos implementar. Crescimento que possamos medir. Pureza que possamos fiscalizar. Fronteiras que possamos defender.

Mas o fermento não é gerenciável. Uma vez liberado, ele segue sua própria química. Você não pode dizer a ele onde parar ou quanto crescer. Você não pode controlar em qual parte da massa ele vai agir primeiro ou mais intensamente.

Tudo o que você pode fazer é se render ao processo.

Jesus está dizendo: o Reino de Deus é uma força bioquímica de transformação que você não controla. Você pode cooperar com ela ou resistir a ela, mas não pode domá-la.

A Pergunta Incômoda para Hoje

Então aqui está o que esta pequena parábola nos obriga a perguntar:

Será que estamos tão ocupados tentando manter nossa religião “pura” que perdemos de vista como o Reino realmente funciona? Estamos tão focados em separar o joio do trigo, em construir muros de santidade, em eliminar todo “fermento” de nossas vidas, que nos tornamos impermeáveis à própria ação transformadora de Deus?

Porque o Deus do fermento não tem medo da mistura. Ele não precisa de ambientes esterilizados para operar. Ele se esconde nas três medidas de farinha — no caos, na bagunça, na massa não refinada da vida real — e começa seu trabalho silencioso de transformação total.

O Convite Perigoso

Esta parábola é um convite a abraçar um tipo diferente de fé.

Uma fé que não tem medo de se contaminar com o mundo porque confia que o Reino é mais contagioso que qualquer impureza. Uma fé que não precisa controlar cada resultado porque entende que a transformação acontece em escala e velocidade que escapam à nossa microgestão. Uma fé que reconhece Deus agindo em lugares “impuros” e pessoas “improváveis”.

É um convite a parar de tentar manter o fermento fora e começar a reconhecer onde ele já está operando — provavelmente nos lugares menos convenientes e mais surpreendentes.

O Reino Incontível

No final, talvez seja por isso que Jesus escolheu esta imagem tão ofensiva:

Ele queria que entendêssemos que o Reino não é mais uma religião de pureza ritual e separação cuidadosa. É uma força transformadora e incontível que penetra, contamina (no melhor sentido), e transforma tudo o que toca.

Você não o mantém puro — você o deixa trabalhar.

Você não o contém — você o libera.

Você não o gerencia — você se rende a ele.

E quando você faz isso, quando para de tentar controlar o fermento e simplesmente o deixa agir, algo extraordinário acontece:

Toda a massa é transformada.

Cada molécula alterada.

Um banquete impossível se torna possível.

E o mundo nunca mais é o mesmo.

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